As principais operadoras de internet fixa – Vivo, NET e Oi – passaram a oferecer apenas planos com limite de dados. No novo modelo, o consumidor tem direito a um limite de uso da rede durante o mês, também conhecido como franquia. Se esse limite for ultrapassado, a operadora poderá reduzir a velocidade ou mesmo cancelar a conexão até o final do mês. Um plano de internet fixa intermediário disponível no mercado gira em torno de 15 Mbps (megabits por segundo). Nesse cenário, o usuário teria direito a uma franquia mensal entre 80 GB e 100 GB, a depender do contrato. A olho nu, as quantidades podem parecer mais do que suficientes, mas em muitas situações, podem causar preocupação ao usuário.

De acordo com o IBGE, o tamanho das famílias no Brasil gira em torno de três pessoas por domícilio. Em um cenário em que os aparelhos eletrônicos conectados à internet dentro de casa são cada vez mais comuns, o limite de uso pode se tornar um problema. Levando em conta que nesta família há um smartphone para cada um e que são compartilhados outros aparelhos conectados à internet via cabo ou Wi-Fi como TV, computador, videogame e tablet, a franquia poderá ser ultrapassada sem muito esforço.

Pensando nisso, o iG levantou algumas perguntas que ajudarão o usuário a entender qual o posicionamento dos principais envolvidos e o que muda nos planos de internet fixa com franquia de dados:

1) Qual a diferença de um plano de internet fixa com limite de dados?

Atualmente, os planos de internet fixa são contratados com base na velocidade desejada pelo usuário. Recentemente, porém, as operadoras passaram a incluir em seus contratos uma cláusula que permite, hoje e no futuro – a depender da operadora e da velocidade contratada –, que o usuário respeite um limite de dados, a chamada franquia. Desta forma, os planos de internet fixa ficam parecidos com os de internet móvel, nos quais o consumidor precisa estar sempre atento ao consumo da franquia pois, caso ultrapasse o que foi contratado, poderá ter a velocidade da sua internet reduzida ou seu acesso cancelado até que um novo pacote seja comprado ou que o mês seguinte comece.

Em alguns casos, a depender da operadora e do contrato, o usuário poderá acumular a franquia de dados não utilizada. Porém, diante dessa novidade, o ideal é que o cliente saiba qual o seu consumo mensal ao contratar o plano adequado. Se seu consumo ultrapassar o que foi comprado, a operadora poderá reduzir a velocidade ou ainda cortar o acesso e oferecer um plano de franquia adicional. O novo modelo vale somente para os planos que utilizam ADSL, no qual a conexão é feita a partir de uma linha telefônica. Até o momento, os planos de fibra ótica não possuem franquia.

2) Planos de internet fixa com limite de dados são permitidos?

Sim, o uso de franquias de dados é previsto pela regulamentação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se praticado sob determinadas regras. De acordo com a agência, as operadoras de internet precisam disponibilizar uma ferramenta para o consumidor acompanhar seu consumo pela internet. Além disso, as empresas precisam alertar quando o consumo da franquia se aproximar do limite contratado.

Os planos de internet fixa da NET já possuem franquias. Se o limite de dados for ultrapassado, o usuário precisará navegar com a menor velocidade de internet oferecida pela empresa. O plano básico de NET alcança 2 Mbps.

A Oi já estabeleceu limites de dados para seus planos de internet, mas as franquias serão contabilizadas a partir de 21 de março de 2016. De acordo com o contrato do plano de internet da empresa, a velocidade da conexão pode ser reduzida para 300 Kbps (quilobits por segundo) se a franquia se esgotar.

A Vivo não utilizará as franquias até 31 de dezembro de 2016, mas já colocou nos contratos. Até o momento, a inclusão das franquias está prevista apenas para os planos do Vivo Internet Fixa (ex-Speedy) e não vale para clientes do Vivo Internet Fibra.  A empresa não informou se haverá redução de velocidade ou bloqueio do serviço se o usuário consumir mais dados que o previsto.

3) Como a franquia do plano de internet fixa é calculada?

As operadoras analisam a quantidade de dados utilizada ao acessar qualquer conteúdo na internet, como sites, músicas ou vídeos. O cálculo também leva em consideração o consumo de dados durante o download ou upload de arquivos.

As franquias oferecidas pelas operadoras variam de 10 GB a 250 GB. Isso significa que o usuário poderá navegar com a velocidade normal – entre 1 Mbps e 120 Mbps, de acordo com o plano – até o tráfego de dados atingir estes valores. É importante lembrar que o cálculo do consumo inclui qualquer dispositivo conectado na rede, seja via cabo ou Wi-Fi, como computadores, TVs inteligentes, smartphones, tablets e videogames.

4) Como posso acompanhar meu consumo de dados?

As operadoras oferecem áreas exclusivas para o cliente em seus sites. O usuário pode utilizar as seções oferecidas pelas empresas (Minha NET, Minha Oi e Meu Vivo) para acompanhar o consumo de dados do mês atual e um histórico dos meses anteriores. A NET e a Oi informam que enviam alertas por e-mail para os clientes quando a franquia está próxima do limite mensal.

5) Qual o consumo aproximado de serviços online?

Os serviços de streaming são alguns dos que mais consomem tráfego de dados. A Netflix estima que um vídeo em HD consome cerca de 3 GB por hora. O tráfego de dados pode ser reduzido nas configurações do serviço. Entretanto, ao diminuir o consumo, a imagem também perde qualidade. Se o usuário assiste um filme de cerca de duas horas a cada dia na qualidade HD, consome aproximadamente 180 GB por mês apenas com a Netflix.
Vídeos em HD consomem cerca de 3 GB por hora na Netflix; o valor chega a 7 GB em Ultra HD
André Cardozo/iG
Vídeos em HD consomem cerca de 3 GB por hora na Netflix; o valor chega a 7 GB em Ultra HD

As plataformas de streaming de música como Spotify e Google Play Música utilizam arquivos com qualidade entre 160 kbps e 320 kbps. De acordo com o Spotify, o usuário brasileiro passa, em média, 104 minutos diários ouvindo música no serviço. Nesse período, se utilizar a qualidade mínima na versão web, a rede consumirá cerca de 125 MB. Ao final do mês, o usuário consumirá aproximadamente 3,75 GB na plataforma. Se levarmos em consideração outros serviços online e os demais dispositivos conectados na residência, bem como o número de pessoas conectadas, o consumo de tráfego de dados será ainda maior.

6) Como economizar dados da franquia enquanto utilizo a internet?

Os serviços online que consomem mais oferecem recursos para o usuário economizar o plano de dados. A Netflix, por exemplo, permite que as configurações de qualidade da imagem sejam alteradas. Para alterar as definições, é necessário acessar a seção Minha Conta e alterar as Configurações de Reprodução. Além da qualidade alta, que consome entre 3 GB e 7 GB por hora, a plataforma de streaming oferece vídeos com definições menores. O nível médio consome aproximadamente 0,7 GB por hora.

O YouTube possui um recurso semelhante. Nas configurações da conta, a área Reprodução conta com um recurso que desabilita a reprodução de vídeos em alta qualidade para conexões lentas.

Em suas versões premium, os principais serviços de streaming de áudio permitem que o usuário baixe músicas que poderão ser ouvidas mesmo quando o aparelho não estiver conectado à internet. Nesse caso, é possível baixar as músicas ouvidas com mais frequência e evitar que a rede use mais dados do que o necessário.

7) Qual a posição das operadoras sobre a mudança?

As operadoras que oferecem planos de internet fixa defendem o modelo por pacotes de dados. De acordo com a NET, o formato “tem o objetivo de garantir o correto dimensionamento da rede de banda larga para todos os usuários. O emprego de franquia visa preservar a experiência de uso, tanto de quem usa moderadamente como de quem usa de forma intensiva”. A operadora também explica que as franquias são definidas a partir de estatísticas e são frequentemente revistas.

Os contratos de internet fixa da Oi também levam em conta “a possibilidade da redução da velocidade do serviço após o consumo da franquia mensal de dados”.

A Vivo ainda não considera o consumo de tráfego de dados em seus planos. “À medida que isto vier a ocorrer no futuro, a empresa fará um trabalho prévio educativo, por meio de ferramentas adequadas, para que o cliente possa aferir o seu consumo”, explica.

8) O que dizem os órgãos de defesa do consumidor?

Para Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da PROTESTE Associação de Consumidores, a mudança nos planos só pode ser feita quando houver uma regulamentação para proteger o usuário. “Reduzir a internet depois do uso de franquia não deixa de ser uma forma do consumidor ser prejudicado em seus contratos”.

O usuário que já possui planos de internet fixa precisa verificar se a operadora mudou o contrato atual. Já o consumidor que estiver contratando um novo plano precisa se atentar às condições de uso do serviço e se há uma franquia mensal estabelecida. “O consumidor não pode contratar planos sem saber que essa possibilidade existe”, afirma Maria Inês.

De acordo com Rafael Zanatta, pesquisador de telecomunicações do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o órgão acompanha a movimentação das empresas do setor por acreditar que o modelo apresenta graves riscos aos usuários. “O Idec entende que o anúncio de mudanças dos termos dos contratos de banda larga fixa deve passar por uma ampla discussão na Anatel, com os membros do Sistema Nacional de Proteção do Consumidor e com a sociedade civil”. Zanatta esclarece que ao assinar um plano com franquia de dados, o consumidor está protegido por alguns dispositivos legais. “Não é permitida a suspensão da conexão à internet em caso de estouro da franquia”, explica.

Segundo Zanatta, a mudança será negativa em um momento onde serviços de streaming são cada vez mais comuns. “As provedoras de conexão à internet não podem usar da franquia de dados como instrumento para precificar os dados e segmentar seus clientes por capacidade de compra”. Para ele, o modelo fragmentará a internet entre aqueles que podem pagar por planos com franquias de dados maiores e aquele que não poderão.

9) O que dizem os especialistas em rede?

A mudança terá efeitos diferentes para cada tipo de usuário. Para Fabrício Tamusiunas, gerente de projetos do NIC.br, um plano de 15 Mbps com franquia mensal de 80 GB, por exemplo, “é mais que suficiente para um usuário que gosta de games online”. Entretanto, o consumo de dados nesse cenário pode sofrer alterações. O exemplo vale apenas para jogos online processados no próprio videogame. Se um jogo for processado em um servidor remoto, a franquia pode não ser a ideal. Nesta situação, o consumidor precisa acompanhar a consumo da franquia com atenção.

Para Tamusiunas, as áreas para acompanhamento do consumo podem não ser suficientes pois, “às vezes, o usuário nem sabe da existência desse portal”. As franquias de dados podem ser comparadas ao antigo modelo de cobrança da internet discada, que obrigava o consumidor a se preocupar com a quantidade de pulsos consumidos pela rede e precisava utilizar a internet na madrugada. “Eu acho que a gente está voltando para os anos 90 com esse tipo de coisa. Olhando do ponto de vista do usuário, eu não gostaria de ter isso”.

10) Quais as ações tomadas pelos órgãos públicos em relação ao limite de dados na internet fixa?

Ligada ao Ministério Público, a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon) instaurou um procedimento para investigar os serviços de acesso à internet com limite de dados oferecidos pelas companhias telefônicas. No documento, a Prodecon afirma que, além das mudanças nos planos de internet banda larga ADSL, a Vivo pretende alterar o modelo de cobrança também para clientes de fibra óptica.

Para o promotor de Justiça Paulo Roberto Binicheski, titular da 1ª Prodecon, a mudança seria desvantajosa para o consumidor, que precisaria pagar mais a cada vez que ultrapassasse a franquia. “A proposta de alteração do sistema de cobrança reflete planos comerciais abusivos, com o propósito disfarçado de encarecer os custos de utilização da internet pelo usuário médio”, afirma.

As empresas deverão enviar informações precisas sobre como pretendem realizar a cobrança dos planos de internet e quais serão as opções disponíveis para os consumidores. Além disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá informar quais estudos foram realizados e qual o marco regulatório sobre o tema.

Por Emily Canto Nunes e Victor Hugo Silva – iG São Paulo |